Comunicação: fake news sempre teve poder

Não dá pra comparar a velocidade com a qual uma notícia corre hoje e com a qual corria nos anos de 1930. Mas naquela época ou agora, fake news disseminada tem e tinha poder devastador na vida social, política e econômica de uma sociedade. Era véspera de Halloween, dia 30 de outubro de 1938, por volta das 19 horas, quando se iniciou a transmissão da série antológica de rádio teatro estadunidense The Mercury Theatre on The Air. Baseado no livro de ficção científica A Guerra dos Mundos, do escritor inglês Herbert George Wells, a série tinha roteiro de um então quase desconhecido Orson Welles.

Apresentador: Senhoras e senhores, o diretor do Mercury Theatre e astro destas transmissões Orson Welles

Orson Welles: Sabemos que desde os primeiros anos do século 20, este mundo estava sendo observado de perto por inteligências maiores que a do homem e ainda assim tão mortais quanto nós mesmo…. No entanto, através do imenso abismo etéreo, mentes que em relação as nossas são como as nossas em relação aos animais das florestas com imensos cérebros frios sem simpatia, observavam esta Terra com olhos invejosos e de modo lento e seguro. Traçavam seus planos contra nós.

Orson Welles combinou elementos específicos do rádio teatro com dos noticiários,  tendo todas as características do radiojornalismo da época. Reportagens externas, entrevistas com testemunhas que estariam vivenciando o acontecimento, opiniões de peritos e autoridades, efeitos sonoros, sons ambientes, gritos, a emoção dos supostos repórteres e comentaristas. A CBS calculou que o programa foi ouvido por cerca de seis milhões de pessoas – e pelo menos 1,2 milhão de pessoas acreditou ser um fato real.

Apresentador: Senhoras e senhores, boa noite! Diretamente do Meridian Room of the Park Plaza Hotel de Nova Iorque, levamos para vocês a música de Ramón Raquello e sua orquestra. Com seu toque muito pessoal, Ramón Raquello inicia com La Cumparsita

Música….

Apresentador: Senhoras e senhores interrompemos nosso programa de música de danças para levar a vocês um boletim especial da Intercontinental Rádio News. Às 19 horas e 40 minutos, hora central, o professor Farwell do Observatório de Chicago informou ter observado sobre a superfície do planeta Marte várias explosões de gás incandescente ocorrendo em intervalos regulares. O espectroscópio indicou que o gás é hidrogênio e está se movendo com enorme velocidade rumo à Terra.

Um breve interlúdio musical e, após alguns minutos, a programação era interrompida novamente por outro boletim especial, agora no Instituto de Meteorologia, em uma entrevista com de professor da Universidade de Princeton, interpretado pelo próprio Welles.
E outra música, e outro boletim, com a queda de um objeto incomum em uma fazenda em Grover’s Mill, Nova Jersey. E a cada música e interrupção para o boletim, o clima ia aumentando.

Da transmissão ao vivo da fazenda, com policiais e multidão cercando o objeto incomum e cada vez mais notícias alarmantes. Marcianos emergem de cilindros e atacam usando ondas de calor. Uma máquina de guerra gigantesca lançando nuvens de fumaça venenosa pela cidade de Nova Iorque. Um massacre das Forças Armadas estadunidenses, perdendo cerca de 7 mil homens. E por fim, começam a seguir um sobrevivente que lida com as consequências da invasão, e descobrem que os marcianos foram derrotados não por humanos, mas por micróbios.

O perigo estava iminente para meio milhão de pessoas, sobrecarregando linhas telefônicas, aglomerações nas ruas, congestionamentos causados por ouvintes apavorados tentando fugir e o pânico principalmente nos arredores de Nova Jersey.

A transmissão de A Guerra dos Mundos foi um alerta sobre o poder e o perigo do mau uso dos meios de comunicação. O formato do boletim de notícias foi descrito como impostor por alguns jornais e figuras públicas, levantando clamores contra os infratores da transmissão e pedidos de regulamentação pela Comissão Federal de Comunicações dos EUA – que investigou o caso, mas não encontrou nenhuma lei desrespeitada durante a apresentação.

Orson Welles tinha apenas 23 anos quando realizou, e temeu pelo fim de sua carreira, mas a publicidade gerada resultou numa contratação por um estúdio de Hollywood. E em 1941, ele dirigiu, escreveu, produziu e atuou no filme Cidadão Kane, considerado um dos maiores filmes de todos os tempos.

Apesar desta famigerada fake news, primeira notícia falsa a circular num grande veículo foi em 1835, quando o jornal The New York Sun publicou notícias usando o nome de um astrônomo real e um colega inventado sobre a descoberta de vida na lua, com o propósito de aumentar as vendas do jornal.

[/ux_text]

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Translate »